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Workshop experimental propõe reflexão sobre masculinidade tóxica para alunos da Arca do Crescer

Podemos pensar em masculinidade tóxica a partir de inúmeros comportamentos presentes em nossa sociedade, que são aprendidos e reproduzidos sem qualquer reflexão, apenas para exaltar e reforçar o papel de homem que nos foi apresentado como modelo ideal.

Quem nunca ouviu frases como: “Fala que nem homem”, “Anda que nem homem”, “Sou homem, por isso não levo desaforo pra casa”. Constantemente, repetimos esses modelos sem sequer questionarmos suas origens. Contudo, em tempos de desconstrução de padrões de comportamentos e com o aumento da emancipação feminina, os homens começaram a ter necessidade de refletir sobre si e os papeis que exercem socialmente.

Partindo desse princípio, Géraldine Challe, gerente da Arca do Crescer, propôs um projeto com objetivo de proporcionar o encontro entre adolescentes e adultos homens da favela da Vila Prudente com o universo das inúmeras “masculinidades” presentes em nossa sociedade e, assim, promover reflexões sobre a toxicidade existentes nestas relações.

Para colocar a proposta em prática, Christian Amendola Moleiro, coordenador pedagógico da Arca do Crescer, aprimorou seus conhecimentos sobre o tema participando de uma vivência no curso ministrado pelo grupo “Masculinidade Quebrada”. A metodologia criada pelo grupo, com sede no Grajaú, é financiada pelo Programa VAI (Programa de Valorização a Iniciativa Cultural da Prefeitura de São Paulo) e já facilitou muitas rodas de masculinidades em escolas públicas.

Como funciona a vivência?

Para que os participantes não sejam expostos, o grupo propõe a utilização de um boneco como personagem principal das rodas de conversa. Inicialmente, sem nome, sem história, sem laços afetivos e sem emoções, o boneco cumpre a função de uma página em branco, que aos poucos é preenchida a partir da visão dos integrantes da roda.

A primeira etapa se dá com a construção da história do personagem. Para isso, algumas perguntas são lançadas: Qual a cor do boneco? Qual idade dele? Ele trabalha? Ele namora? É virgem? Com quantas pessoas ele já ficou? Ele é fiel à namorada? Ele bebe? Ele sofre preconceito? Ele manda nudes? Ele esconde algum sentimento? Com as respostas o personagem vai sendo moldado e as discussões sobre essa construção são feitas.

Masculinidade na Arca do Crescer

A partir das vivências e trocas com o grupo “Masculinidade Quebrada”, nosso coordenador produziu o boneco e criou um workshop experimental, que foi realizado com homens (adolescentes e adultos), alunos dos cursos de Logística e Vendas da Arca do Crescer. O grupo 1 composto por homens com idades entre 15 e 17 anos de idade e o grupo 2, por homens com idades entre 18 e 30 anos de idade. Destes grupos saíram duas construções diferentes de personagem.

A construção do boneco grupo 1: Homem, 25 anos. Trabalha doze horas por dia. É pardo e mora na favela. Tenta estudar, mas muitas vezes sem êxito, pois precisa trabalhar. Já se relacionou com 30 pessoas, e geralmente não se previne. Ele tem namorada as também fica com outras meninas. O boneco fica com outras meninas para “curtir” e passar o tempo, mas a namorada é mulher para casar. Sofre preconceito por viver na favela. Esconde alguns comportamentos violentos e manifesta raiva. Sua relação com o pai é extremamente hostil e raivosa. Já a relação maternal é regada a muito amor e confiança. O nome escolhido pelo grupo para batizar o boneco foi “Silva”. O grupo disse que “Silva” é um nome comum, nome de muitos brasileiros. Silva está presente entre nós.

A construção do boneco grupo 2: Homem, 19 anos. É estagiário em Marketing e trabalha oito horas por dia. É pardo e mora na Favela da Vila Prudente. Não namora, mas já “ficou” com oito pessoas. A sua “primeira vez” foi com 17 anos. Já enviou “nudes” de uma “ficante” para seu círculo de amigos. Se previne, pois tem medo de ser pai precocemente. Não tem medo de Infecções Sexualmente Transmissíveis. Sofre preconceito por ser obeso. Tem muito medo da polícia. Chora sozinho e não demostra suas fraquezas emocionais. O boneco foi batizado pelo grupo com o nome de Renan.

E a partir dessa criação a reflexão sobre toda a carga social exposta com cada escolha. No workshop, os alunos também receberam informações sobre dados que demonstram a maneira como a sociedade lida com questões relacionadas a Gênero, Sexualidade, Trabalho, Violência e Preconceito. 

O fechamento do encontro foi realizado com as perguntas: Qual a influência da masculinidade tóxica com os índices apresentados? Qual a relação do comportamento do boneco Silva e do boneco Renan com a realidade da nossa sociedade, com a nossa realidade?

“O tema sobre masculinidade foi muito interessante, porque o assunto foi voltado ao machismo estrutural na favela, e o machismo no geral. Em nosso grupo tinha um boneco. Conforme o orientador Chris ia nos fazendo perguntas em relação ao boneco, nós íamos construindo a história dele. Demos a nossa opinião se ele era machista, como era a família dele, como era a relação dele com as suas parceiras. Depois, o orientador apresentou slides sobre porcentagens em relação ao machismo, racismo, casos homofóbicos, entre outros. No final da aula, debatemos sobre como a violência masculina está presente em nosso dia a dia”, diz Vitor Pereira, aluno do curso de Logística e participante da oficina. “Para além de conseguir respostas, propomos a transformação! É perceptível como a dinâmica impactou na realidade dos participantes e em suas respectivas visões sobre o que até então era considerado ‘normal’ e ‘corriqueiro’. Seguimos com o nosso propósito, acreditando que a educação é o melhor caminho para se transformar e para transformar vidas”, afirma Christian.